
O Sertanejo nunca perde, no silêncio do seu trabalho anônimo, o gosto pelas altas coisas do espírito. Ao contrário do homem universal, habitante das metrópoles, que é pródigo na arte da dissimulação, o sertanejo evidencia sua postura e compostura de provinciano incurável, acompanhada por uma sinceridade à toda prova. Deles - os sertanejos, poder-se-á afirmar que alguns falam ligeiro e em voz alta, dando a impressão de que estão permanentemente irritados com a vida e com o mundo - ledo engano. Não vivem a cochichar covardemente pelas esquinas. Diante estes rústicos e honestos homens de mãos calejadas, os fracos se calam - intimidados; os medrosos procuram lugares escusos para emitirem suas opiniões. Como operador do Direito, fui constituído advogado por um rude e sincero sertanejo, para fazer sua defesa e participar da audiência para concessão da sua liberdade condicional, em um processo que o mesmo respondia por lesão corporal de natureza grave, por ter decepado com uma foice, a mão do vizinho do seu sítio, consequência de intriga por questão de divisa das terras entre os seus sítios. No dia da audiência, aprazada para que o mesmo fosse ouvido pelo Juiz e passasse a cumprir o resto da pena em liberdade condicional, acompanhei-o como seu Defensor. A formalidade da audiência resume-se às advertências que o Juiz de Direito faz ao apenado, de que o mesmo não poderá ausentar-se da cidade sem comunicar à justiça,via advogado; Não frequentar bares para consumir bebidas alcóolicas, e não andar portando arma. Após encerrada a audiência e cessadas as formalidades legais, o douto Juiz dirigiu-se ao meu constituinte, fazendo-lhe a observação de que o mesmo era prá ter evitado o violento ato, que resultou na decepação da mão do vizinho. Do alto de sua ingênua sinceridade, o meu cliente responde nos seguintes termos:
- Mas sêo dotô, eu num tive "curpa" não! - Eu botei prá cabeça, aí ele botou o braço no meio!
Admirado com a sinceridade do matuto, o Dr. Juiz olhou em minha direção, esboçando ligeiro sorriso, como se quisesse expressar a admiração pelo fato de que ainda existia pessoas com o nobre caráter da mais pura sinceridade, mesmo que esta sinceridade o prejudicasse. é certo que em sua maioria, são taciturnos,assim meio desconfiados, e aparentemente insociáveis, fazendo com que os imaginemos como um depósito em que fermenta o vinho do despeito e da revolta. No entanto, não há melhor alma, nem coração mais limpo. Conduzem sempre uma sinceridade e um ar resoluto que caminham juntos, no seu viver cotidiano. Neste contexto, cito o grande amigo e conterrâneo GERALDO DE ANTÕIZINHO, que em seu falar com a língua um pouco presa, ao ser perguntado sobre seu nome, costuma falar se chamar "Gelaldo de Antõizin". Pois bem - num é que este nobre Apodiense é um dos melhores eletricistas da cidade, e como tal foi, certo dia, contratado para fazer a instalação de um prédio de primeiro andar. Para evitar ser sempre procurado pelo Geraldinho, o dono do prédio autorizou o dono de uma loja de materiais elétricos, para que entregasse todo o material elétrico que o Geraldinho solicitasse,em especial fios para eletricidade. Concluído o eficiente trabalho, eis que o dono do prédio procurou o Geraldinho para efetuar o pagamento pelos serviços, ocasião em que trazia consigo a relação da quantidade de fios elétricos solicitada pelo "Gelaldinho". Olhando bem nos olhos do "Gelaldinho", o dono do prédio perguntou ao mesmo:
- Ô Geraldinho, onde tá toda essa ruma de fios elétricos que você pegou na loja de sêo Leonildes?
"Em cima da bucha" e sem gaguejar, o lépido e fagueiro "Gelaldinho" respondeu, de forma conclusiva:
- Mande bater um raio X do "plédio"!
Desnorteado com a inteligente saída do "Gelaldinho", só restou ao dono do prédio se conformar com a resposta, pagando os serviços, não sem antes exclamar:
- Num tem mesmo jeito prá você mesmo não, Geraldinho!
Qual não foi a admiração que os presentes à esta cena ficaram tendo do "Gelaldinho de Antõizin". É necessário frisar que o sabido "Gelaldinho" protagonizou outra cena por demais engraçada. Contou-me um conterrâneo que, certo dia, o "Gelaldinho" se encontrava a fazer uma instalação na fachada de uma casa,trepado numa escada - isso lá por volta das cinco horas e meia da tarde, ocasião em que o seu ajudante se encontrava segurando a escada. Como o sol já começava a descambar no horizonte, anunciando breve anoitecer, eis que o ajudante pôs a chamar o Gelaldinho, de forma insistente:
- Avie Geraldinho! Já tá quase anoitecendo e eu quero ir prá casa arrochar minha mulher!
forma espirituosa, eis que o Geladinho olha prá baixo e encara o ajudante, dando-lhe uma contundente resposta:
- Deixe de ser besta cabra besta!... Enquanto você vai arrochar ela os outros vão é "aflochar" !
Ao presenciarem e ouvirem tão inteligente e espirituosa resposta do "Geladldinho"todos caíram em espalhafatosas "gargalhadas".
Amenidades à parte, verdade seja dita que o amigo Geraldinho é um trabalhador incansável, entrando quase sempre pelas altas horas da noite, inclusive madrugada afora, para honrar com o compromisso do prazo para entrega do serviço contratado por empreitada ou por diárias. Saudemos o produtivo Geraldinho de Antõizin, o qual tenho a honra de privar de sua amizade há cerca de 40 anos.
Por Marcos Pinto.