conhecida prodigalidade em colocar apelidos em pessoas e lugares. No contexto das imagens cotidianas da cidade e do sítio
"Soledade", não há quem não tenha conhecido a folclórica figura do "nêgo" Fuxico. Nunca frequentou uma sala de aula, o que
não o impediu de desenvolver uma capacidade de raciocínio rápido, que o livrou de inúmeras situações difíceis de resolver. Era detentor de imaginação fértil em "tiradas espirituais". No tempo em que raros eram os meios de transporte para condução de cargas e passageiros para Mossoró era o conhecido caminhão-Misto do Sr. DERIM LEITE, vez por outra o Fuxico aboletava-se na carroceria,
onde atuava como espécie de ajudante-de-caminhão, auxiliando o Derim no processo de carga e descarga,geralmente composta por caprinos,suínos e garajaus de galinha, que eram vendidos na feira dos animais, em Mossoró. Após a entrega das mercado-
rias, o Derim estacionava seu caminhão-Misto em frente ao hotel Santa Luzia, no centro da cidade, situado defronte onde hoje es-
tá instalada a loja de material elétrico conhecida como "Parque Elétrico", proximidades do Cine Pax, no centro da cidade. Numa dessas viagens, eis que o Fuxico, aproveitando-se da providencial constatação feita pela esposa do dono do hotel, de que ele atua-
va como ajudante do Derim Leite, resolveu usar dessa prerrogativa para almoçar fartamente, solicitando um apetitoso bolo "Felipe" acompanhado com doce de leite. Após essa comilança, se dirigiu para a dona do hotel, com ares de confiança,fazendo a observação de que na próxima viagem pagaria a despesa, no que teve a concordância da mesma. Transcorreu um ano e nada do nêgo Fuxico aparecer em Mossoró para pagar tal despesa. Astuto, e contando com o longo decurso do tempo, Fuxico resolve
ir à Mossoró, como sempre "abancado" na carroceria do Caminhão-Misto de Derim. Contando com o longo tempo como fator de esquecimento da dívida, Fuxico voltou ao hotel "Santa Luzia", onde desceu do caminhão de forma lépida e faceira, com intenção de almoçar, e contrair mais uma dívida. Quando a dona do hotel viu o nêgo Fuxico, muito bem sentado em uma das mesas,jun-to a alguns conterrâneos, de longe interpelou-o nos seguintes termos:
- Sim, você é o negro fuxico, que no ano passado me enganou com um almoço e uma merenda! .
Sem demonstrar nenhuma contrariedade e muito menos aperreio, além de uma inusitada indiferença, eis que o nêgo Fuxico
saiu-se com essa artimanha/munganga:
- Já sei que foi uma presepada feita pelo meu irmão gêmeo! - para arrematar logo a seguir:
- Senhora, eu sou Chafurdo! aquele cabra ruim do meu irmão é acostumado a fazer esse tipo de coisa e quem leva culpa sou eu. Bote botar o almoço que eu sou um homem de vergonha. Convencida, a dona do hotel pôs o almoço, confiante de que o dito nêgo Chafurdo iria pagar quando retornasse. E assim o nêgo Fuxico enganou duas vezes a dona do hotel Santa Luzia. Desnecessário dizer que nunca mais ele pôs os pés naquele hotel.
Certo dia do ano de 2008, durante o período da campanha eleitoral para Prefeito, o nêgo Fuxico, que residia no sí-
tio "Soledade", resolveu ir até a cidade, como sempre à pé, sem a preocupação de esperar uma carona. Quando chegou alí
pelas imediações da mercearia de Tetéia de Sêo Ademar Caveja, eis que Fuxico viu e ouviu duas mulheres discutindo por causa de política, ressaltando que em uma rádio da cidade só se divulgava mentiras, ocasião em que sapecou:
- Aquela rádio é só de FUXICO!.
Aproveitando a deixa, o nêgo Fuxico não se fez de rogado e com tamanha espirituosidade disparou:
- Vocês ouviram bem, não foi ? Eu agora sou dono de uma "ráida". A turma que presenciou tal cena caiu numa
"gaitada" generalizada.
Durante a grande seca do ano de 1970 era costume do nêgo Fuxico descer a serra, vindo dos lados do sítio "Soledade", e passar dentro das terras do Sr. Mário de Freitas, alí pelas bandas do sítio "Córrego", diminuindo a distância para chegar à cidade. Sem nenhum motivo plausível, O Mário de Freitas proibiu o Nêgo Fuxico de passar por dentro de sua
fazenda. Como DEUS sempre cria situações que corrigem as injustiças cometidas contra os mais humildes. Não é que, pas-
sados poucos dias, o nêgo Fuxico ia passando pelo corredor que passa defronte ao quintal da casa do Sr. Mário de Freitas,
quando ouviu o mesmo lhe chamar, para o ajudar a levantar uma vaca que tinha caído de tão magra. Impassível e sem mais delongas, Fuxico respondeu:
- Bote a vaca "praquí" que eu ajudo! - Você não disse que "tou" proibido de pisar em suas terras!. Desconfiado e meio sem jeito, só restou ao Mário engolir à seco a inteligente resposta de Fuxico.
De certo, resta comprovado que o nêgo Fuxico era dado a umas presepadas. Conta-se que, certa feita, o nêgo Fuxico fez umas compras no fiado, em uma bodega, na cidade de Mossoró, tendo passado cerca de 05 anos sem retornar para efetuar o competente pagamento. Sabedor de que o dono da dita bodega tivera uma "trombose" (AVC), tendo ficado sem a capacidade de falar e prostrado em uma rede, resolveu Fuxico fazer nova investida no quesito compras fiado. A bodega tinha um balcão de madeira, e ao lado, um espaço que dava para um corredor da casa, onde o velho se encontrava deitado na rede. Ao ver o Fuxico sendo atendido pela sua esposa, eis que o velho pronuncia uma palavra que não dava pra se entender,ao mesmo tempo em que olhava para Fuxico, esfregando o dedo polegar com o dedo indicador,em um gesto que signficava a pergunta: "Cadê o pagamento daquela compra que você fez?". Intrigada com aquele gesto do marido, a velhinha perguntou ao Fuxico:
- O que é que o meu velho tanto gesticula pra você?.
Sem se "tocar", Fuxico saiu com mais uma de suas tiradas "filosóficas":
- Ele tá dizendo que faz muito tempo que a gente não se via!.
O resultado é que O Fuxico terminou comprando fiado mais uma vez, e novamente terminando por nunca pagar as dívidas. Fuxico é afrodescendente, posto que era neto paterno do ex-escravo Lúcio Agostinho da Silva (avô paterno de Dodora)
e neto materno de Joana Silva, filha do ex-escravo Jacó Felício de Oliveira. O nome civil de Fuxico era FRANCISCO DA SILVA, e nasceu em Apodi, a 26 de Junho de 1926. Faleceu no final do ano de 2010.
Por Marcos Pinto.
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